Do superego insone/insano ao acalanto criativo de si
- marinaribeiroblog2
- 2 de dez.
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Este artigo foi publicado no Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro (Cadernos de Psicanálise) em 2025, sob autoria de Marina F. Ribeiro e Bruno O. Marte.
Resumo: Neste trabalho, serão investigados os empecilhos e as condições para que a função psicanalítica da personalidade do analista esteja operante. Com esse intuito, propomos uma noção espectral do superego, visando a apreensão da amplitude de suas manifestações, para então, verificarmos em que medida, aquilo que denominamos de superego insone/insano do analista, possa se transformar qualitativamente e passar a ter uma função protetora, sonhadora e criativa, favorecedora do ofício psicanalítico.
Palavras-chave: Psicanálise. Superego. Reverie. Sonho. Criatividade. Função psicanalítica da personalidade.
A imaginação é um impulso voraz; ela encontraria alimento para o pensar mesmo no deserto. (MELTZER; WILLIAMS, 1988/1995).
Bem se pode imaginar experiências protoestéticas começando in utero: “amparado no berço do profundo” [rocked in the craddle of the deep [1] ]do gracioso andar de sua mãe; ninado pela música de sua voz confrontada com a sincopada batida de seu coração e do coração dela; respondendo em dança como uma pequenina foca, brincalhão como um cachorrinho. (MELTZER; WILLIAMS, 1988/1995).
Seria possível ensinar um psicanalista a alcançar o estado de mente propício ao trabalho clínico?
Como a psicanálise e o ensino se localizam no terreno dos ofícios da ordem da impossibilidade [2] , tendemos a responder negativamente a essa indagação. Acreditamos, porém, ser possível discorrer sobre esse tema mesmo assim. Pensamos que a impossibilidade da psicanálise deve ser transformada em força motriz pelo psicanalista para que ele realize o possível em cada sessão. Com isso, temos conosco que a impossibilidade inerente à psicanálise, às vezes, pode gerar no analista uma melancolia estéril que precisaria ser transformada em luto frutífero. Obviamente não temos a pretensão de ensinar; entretanto, se isso nos é impossível, ao menos tentaremos elucidar os processos pelos quais o trabalho do analista pode ser (in)viabilizado.
Para trilharmos esse caminho, será preciso evidenciar, a partir da exposição de uma noção espectral [3] do superego, seus diferentes funcionamentos para verificarmos em que medida aquilo que denominamos de superego insone/ insano do analista – aquele que não permite o sonhar, o florescer da criatividade e o encontro com a experiência emocional – pode se transformar e passar a ter uma função protetora, sonhadora e criativa. Estamos, portanto, no campo da observação dos empecilhos e das possibilidades para que a função psicanalítica da personalidade [4] esteja operante, especialmente, em sua função sonhadora e sonhante no que diz respeito à noção de reverie, como foi denominada por Bion.
Geralmente quando nos referimos ao superego, a tendência é imaginarmos uma instância com atributos hostis, repressivos, ameaçadores e aniquiladores das potencialidades de vida. No entanto, neste trabalho propomos a seguinte investigação: é possível ao superego favorecer o desenvolvimento da criatividade, bem como exercer função [5] protetora, encorajadora e acalantadora ao ego?
Com essa indagação entendemos que os impasses ou impossibilidades existentes no encontro psicanalítico, entre analista e analisando, não dependem apenas da gravidade de alguns casos que nos chegam, mas também dos estados psíquicos do próprio analista com os quais pode estar familiarizado ou não. É a partir daí que levantamos a hipótese de que as diferentes dimensões superegoicas do analista exercem importante influência no seu ofício clínico por propiciarem, ou não, sua capacidade de sonhar os fatos que se apresentam no encontro entre duas mentes.
Para iniciar a investigação, temos que nos remeter prontamente a uma breve passagem em que Freud (1927/2006) em seu texto sobre o humor nos surpreende por apresentar uma dimensão superegoica pouco explorada em sua obra. Nas palavras do autor:
Se é realmente o superego que, no humor, fala essas bondosas palavras de conforto ao ego intimidado, isso nos ensinará que ainda temos muito a aprender sobre a natureza do superego. Ademais, nem todas as pessoas são capazes de atitude humorística. Trata-se de um dom raro e precioso, e muitas sequer dispõem da capacidade de fruir o prazer humorístico que lhes é apresentado. E finalmente, se o superego tenta, através do humor, consolar o ego e protegê-lo do sofrimento, isso não contradiz sua origem do agente paterno. (FREUD, 1927/2006, p. 169).
Com essa passagem instigante, Freud nos abre a possibilidade de observar as diversas faces do superego contidas em sua obra: como uma identificação direta e imediata que se efetua mais primitivamente do que qualquer catexia de objeto (1923/2006); como pura cultura da pulsão de morte que impulsiona o ego à morte (1923/2006); como uma interdição edípica interiorizada e, também, como uma face protetora que profere bondosas palavras de conforto ao ego (1927/2006) e que permite a criatividade e o prazer humorístico.
Entretanto, não foi apenas Freud que constatou tal face bondosa do superego. Em consonância com as diversas faces superegoicas propostas por Freud, Melanie Klein (1929/1996; 1958/2006) também demonstra à sua maneira os diferentes aspectos do funcionamento do superego. Já no texto intitulado A personificação no brincar das crianças, Klein (1929/1996, p. 234) propõe, em uma nota de rodapé, que a criança muitas vezes tem um amplo leque de figuras paternas e maternas, que vai desde as aterrorizantes “Mamãe-gigante” e “Mamãe-que-esmaga” até a generosa “Mamãe-fada”. A autora afirma que também já se deparou com uma “Mamãe-média” e uma “Mamãe-três-quartos”, que representavam um meio-termo entre os exemplos mais extremos.
Interessante notar que quase trinta anos depois, em Sobre o desenvolvimento do funcionamento mental (1958), Klein ainda manteve sua visão espectral do superego e nos propõe que:
[...] o âmbito de ação do superego vai desde o refrear do ódio e de impulsos destrutivos, da proteção do objeto bom e autocrítica, até ameaças, queixas inibitórias e perseguição. O superego – estando vinculado ao objeto bom e até empenhando-se por sua preservação – aproxima-se da mãe boa real, que alimenta a criança e cuida dela. (KLEIN, 1958/2006, p. 274).
Esse fragmento de Klein (1958/2006) nos leva a pensar: quem cuida do analista em seu ofício enquanto está em contato emocional no aqui e no agora do encontro com seu analisando? Em que medida ele pode estar bem acompanhado de uma mãe cuidadora e criativa enquanto exerce sua escuta?
Optamos por expor um breve fragmento clínico cotidiano e recorrente aos analistas, vivenciado por um de nós, para elucidarmos a complexidade dos diversos movimentos e funcionamentos que operam na mente do analista enquanto está com seu analisando.
O analisando, de aproximadamente quarenta anos, contava várias histórias com muitos detalhes; enquanto isso, fui me apercebendo intrigado, preocupado em entender a narrativa e em ligar os fatos relatados para ver se faziam sentido. Estava angustiado e me ocorriam ideias do tipo: Será que ele está me contando a mesma história ou será que já mudou de assunto!? As coisas não estão se encaixando… O que será que eu perdi que não estou conseguindo pegar o fio da meada? Será que estou muito distraído? Será que ele vai se sentir menosprezado e furioso caso eu lhe diga algo que demonstre minha incompreensão?
Permaneci operando psiquicamente desse modo durante um tempo razoável do encontro, de repente me pergunto: mas por que eu estou tão curioso? Por que estou tentando entender o que se passa? Por que e do que estou com medo?
Nesse momento pude me acalmar e me permitir abrir mão da curiosidade, do controle e da exigência, e, então, passei a funcionar de maneira mais propícia ao trabalho clínico, isto é, atingi um estado psíquico muito mais próximo do onírico do que do entendimento.
Foi assim que me surgiram imagens de uma criança indignada, humilhada, com intensos sentimentos de ódio e ciúmes pelo fato de sua mãe ter a sua irmã como preferida. Essas imagens me permitiram dizer ao analisando que, talvez, ele alimentasse a esperança de ter sua mãe só pra ele.
Ele se emociona, se entristece e depois de um breve momento diz que não gostaria mais de ser injusto consigo mesmo.
Quais seriam os diferentes funcionamentos superegoicos operantes na mente do analista que se podem constatar nessa ilustração clínica?
Arriscaremos algumas hipóteses.
Num primeiro momento, tratava-se de um superego operando de maneira ameaçadora cujo mandato poderia ser traduzido da seguinte maneira: preste atenção no que ele está te dizendo, você não pode deixar passar nada, é necessário entender tudo, se não vai sobrar para você!
Isso nos indica que neste momento o analista estava operando a partir de uma dimensão superegoica arrogante, ameaçadora e onipotente que exigia uma resposta do analista a qualquer custo como tentativa de se evadir da experiência emocional angustiante que pairava no encontro da dupla.
Se pudéssemos expor minuciosamente os diversos funcionamentos superegoicos operantes naquele momento seriam a) insone, por não permitir, num primeiro momento, ao analista sonhar a sessão; b) persecutório, por gerar o medo de ser atacado pelo analisando; c) arrogante, no sentido de precisar ter uma resposta a qualquer custo; d) punitivo, relacionado ao suposto castigo que receberia do analisando por não entender o que ocorria; e) autocrítico, no momento em que o analista se pergunta por que se sente tão persecutório e exigente e f) criativo, quando o analista pode se desprender da persecutoriedade ameaçadora e atingir um estado psíquico sonhante que lhe permite a abertura para a criação da cena que foi comunicada ao analisando.
Nesse exemplo fica clara a oscilação que ocorreu na mente do analista: num primeiro momento, predominavam as características psicóticas de sua personalidade, que prejudicam e inviabilizam o estado sonhante necessário ao psicanalista; já, num segundo momento, o funcionamento não psicótico contribuiu para a operação da função psicanalítica da personalidade.
Propomos esse exercício ao analista para que se possa compreender os efeitos das diferentes faces superegoicas que são convocadas em sua mente enquanto está na presença dos analisandos. A impossibilidade criativa é um indício de que o funcionamento psíquico do analista está prejudicado.
Com o intuito de expandir nossa visão sobre (in)viabilizações do superego ao trabalho do analista, adentraremos mais detalhadamente na noção de reverie e nos conceitos e ideias adjacentes.
Enxergar o invisível e afinar a observação
Pensamos a reverie, a partir de Bion (1962/2021), como um estado de abertura receptiva por parte do adulto cuidador a quaisquer objetos provenientes da identificação projetiva do bebê. Ribeiro (2023), em seu trabalho intitulado A intuição psicanalítica e a reverie: captando fatos ainda não sonhados, nos diz que a reverie é um estado de receptividade amorosa em que opera uma abertura para sermos habitados pelo outro. Esse estado psíquico é um facilitador para a criação, na mente da mãe/analista, de imagens pictográficas ou ideogramas, como assim os denominou Bion.
Percebe-se que a mãe pode captar estados emocionais primitivos e trazê- -los à vida a partir desse processo de abertura e de simbolização. É assim que o bebê pode ser contido em suas angústias primitivas e ser compreendido por uma mãe que tem a capacidade de atingir esse estado psíquico receptivo, criativo e transformador.
Trazendo o uso da reverie para a clínica psicanalítica, podemos vislumbrar as condições específicas da mente do analista para isso. Deixar-se afetar, vivenciar as inúmeras nuances qualitativas da experiência emocional, tolerar a desorganização e o desconhecido são algumas das condições para que o analista possa trabalhar. É devido a isso que a teoria psicanalítica não deve atuar em primeiro plano em sua consciência enquanto estiver em contato com seus analisandos, ao contrário disso, é essencial que a teoria corra em segundo plano nas veias do analista enquanto pratica a psicanálise. Ribeiro (2023) nos diz, ainda, que a teoria do analista faz parte do seu acervo inconsciente, precisa estar incorporada e esquecida, assim como os exercícios técnicos de um músico. Seguindo esta ideia, a teoria psicanalítica tem uma função de continente metaforizante [6] que propicia ao analista afinar a sua capacidade de observação quando não estiver em contato com seu analisando, isto é, num momento em que não esteja em sessão com o analisando.
É importante notar que essa noção está baseada na proposição metodológica de Bion sobre o estado psíquico propício à observação analítica, isto é, que ele possa trabalhar a partir de uma opacidade de memória, sem desejo e sem compreensão prévia. Bion diz que a memória é sempre enganosa por ser distorcida pela influência de forças inconscientes, assim como os desejos distorcem o julgamento através da seleção e supressão de material a ser julgado (1967/1988). Advém daí a necessidade de o analista se ater à experiência emocional que ocorre no aqui e agora do encontro.
Percebe-se que, se por um lado a proposta é de uma postura de abertura radical e despretensiosa, por outro lado ela exige uma posição ética por parte do analista, uma vez que não se propõe um estado fusional entre analista e analisando, e sim um trânsito entre as dimensões inconsciente/consciente enquanto condição para o analista captar e transformar, imaginativamente, elementos brutos, dando-lhes forma e inscrição psíquica. Isso está de acordo com Freud (1912/2006) ao colocar a importância da comunicação entre inconscientes e também da atitude necessária para a captação dessa comunicação. Segue a clássica recomendação sugerida ao analista por Freud:
[...] ele deve voltar seu próprio inconsciente, como um órgão receptor, na direção do inconsciente transmissor do paciente. Deve ajustar-se ao paciente como um receptor telefônico se ajusta ao microfone transmissor. Assim como o receptor transforma de novo em ondas sonoras as oscilações elétricas na linha telefônica, que foram criadas pelas ondas sonoras, da mesma maneira o inconsciente do médico é capaz, a partir dos derivados do inconsciente que lhe são comunicados, de reconstruir esse inconsciente, que determinou as associações livres do paciente (1912/2006, p. 129).
Acreditamos que Bion propõe a mesma atitude que Freud, embora descreva minuciosamente esse processo e acrescente a importância do sonhar enquanto instrumento do analista. Pensamos que a reverie pode ser uma forma de captar as oscilações elétricas com o intuito de transformá-las em ondas sonoras. As oscilações elétricas representam os elementos sensoriais que serão transformados, a partir da reverie do receptor – analista – em elementos alfa, que representam as ondas sonoras. Trata-se de uma captação transformadora.
Levando-se em conta que primeiramente pensamos por pictogramas e imagens, tomamos a reverie como estado psíquico sonhante do analista que “fabrica” o pensamento/imagem a partir de sua receptividade às emanações do inconsciente do analisando. Isso nos indica que Bion propõe uma função ao estado onírico de vigília: captar e transformar o elemento inaudível em audível, sendo o inaudível representado pelas oscilações elétricas e o elemento audível, as ondas sonoras. Pode-se afirmar, então, que a função do sonhar envolve o processamento e a metabolização das experiências emocionais.
Sobre esse movimento, acompanhemos uma síntese proposta por Ribeiro (2023):
[...] a imagem que surge a partir da capacidade de reverie do analista é apenas o aspecto visível de uma forma de pensamento amplamente inconsciente. Em outras palavras, refere-se à capacidade do analista de tornar visível o invisível da experiência, de tornar apreensível o pensamento onírico de vigília, função diuturna da mente. A reverie é a captação do inaudível e do imperceptível da experiência. Algo captado pela intuição psicanalítica e transformado pela função alfa em uma forma, uma imagem sensorial: a reverie. (Ribeiro, 2023, p. 124).
Um exemplo de reverie que teve a função de ser uma bússola – termo usado por Ogden (2013) – para o processo analítico é citado por Ribeiro (2023, p. 127) que afirma que, ao se deparar com o analisando, é tomada por um pensamento/imagem de sapatos de um morto e se sente paralisada. A analista não comunicou nada sobre essa imagem, mas com o passar do tempo foi constatando que ela condensava e revelava o mais íntimo e intenso sofrimento do paciente. A autora defende que a imagem que surge é uma evolução da intuição do analista, uma vez que a capacidade de reverie é sustentada pela intuição psicanalítica.
Isso nos remete a uma diferenciação a respeito do uso da reverie. Ela pode ser usada pelo analista enquanto imagem ou narrativa a ser comunicada ao analisando, enquanto interpretação ou construção em análise, ou outra possibilidade, é que seja usada para compreender o sofrimento psíquico inconsciente do paciente, sem que a reverie precise ser comunicada a ele.
Interessante constatar que os termos reverie e sonhos de vigília foram usados pela primeira vez por Breuer em 1893, enquanto descrevia o caso Anna O. (BUSCH, 2023) Breuer relacionou o termo a um estado hipnoide, ou melhor de auto-hipnose, que ocorria espontaneamente de forma alternada com estados de vigília mais habituais. Nas palavras de Busch (2023):
Breuer e Freud (1893) equipararam devaneios a rêveries e os ligaram aos estados hipnoides, que “ao que parece, muitas vezes, surgem devaneios, bastante comuns até em pessoas saudáveis” [...]. Assim, algum tempo antes de Bion introduzir o termo rêverie, já existia uma longa história psicanalítica associada a ele. Além disso, o estado mental descrito como rêveries por Freud e Breuer era muito parecido com os estados mentais identificados como rêveries por bionianos. [...] No entanto, o que Bion introduziu foi o vínculo da rêverie com a mente do analista e, dessa maneira, abriu uma nova direção para como um analista pode compreender melhor seus pacientes. (BUSCH, 2023, p. 13-28).
Uma vez exposto isso, não podemos deixar de nos inquietar a respeito dessa vinculação da reverie, agora voltada à mente do analista, e não apenas como algo relacionado ao estado psíquico do analisando. Inquietações inevitáveis: num encontro analítico, seria possível o analista se permitir alucinar e fazer um bom uso do conteúdo psíquico dessa alucinação? Como um devaneio ou uma alucinação podem ser utilizados pelo analista em seu trabalho? O que podemos compreender quando Freud, em Construções em análise, (1937/2006, p. 286), aproxima os delírios dos pacientes como equivalentes às construções que o analista cria em análise?
Neste momento tentaremos nos aproximar de hipóteses que nos deem alguma luz para essas inquietações. A princípio, podemos nos utilizar da referência que Ribeiro (2023, p. 133) faz a Ferro (1995) e a Rocha Barros (2000) para os quais a reverie seria, respectivamente, um pictograma emotivo-sensorial ou um pictograma afetivo primeiramente “alucinado [7]” pelo analista. Tal alucinação pode encontrar um sentido que resgate o analista do caos, que é paradoxalmente enlouquecedor e seminal.
Vinculada a essa proposta, está a noção de intuição enquanto um instrumento necessário ao psicanalista. Ribeiro (2023) investiga a conexão entre intuição e reverie e defende que o analista precisa enxergar o invisível a partir de sua imaginação. Terreno incerto esse em que o analista transita pois como medir, quantificar e classificar a angústia, a tristeza, o ódio? A angústia não tem cor, cheiro, não pode ser tocada, mas segundo Bion (1970/2007), ela precisa ser intuída:
[...] o psicanalista depende de experiência que não é sensorial. O médico pode ver, tocar e cheirar. O psicanalista lida com realizações que não podem ser vistas ou tocadas; a ansiedade não tem forma, cor, odor, ou som. Proponho, por conveniência, usar o termo “intuir” como um paralelo, no âmbito do psicanalista, ao uso de “ver”, “tocar”, “cheirar” e “escutar”. (1970/2007, p. 24).
De maneira mais direta, Bion coloca a importância de que sejamos capazes de intuir qual é a informação que o paciente está tentando transmitir uma vez que considera ser possível enxergar coisas que não se podem tocar, bem como ouvir sem ter contato físico com um corpo ou objeto.
Percebe-se que o foco do analista está o tempo todo em tentar captar a brutalidade da experiência para transformá-la em comunicações possíveis a partir do uso de sua intuição. Daí advém a hipótese de Ribeiro (2023) ao defender que as imagens, os pictogramas e seus derivados criados a partir do estado psíquico de reverie seriam uma evolução da intuição do analista. Isso nos permite esclarecer que a intuição é uma forma de conhecimento imediato, sem apoio sensorial, que favorece o estado de reverie para que o analista crie e ofereça elementos – imagens, pensamentos, narrativas, cenas, músicas, melodias, etc. – que sejam continentes à experiência emocional no momento do encontro analítico.
Pensando na imbricação conceitual entre intuição, reverie e função alfa, cujas fronteiras não conseguimos diferenciar nitidamente, compreendemos tais conceitos, a partir de Bion (1970/2007) e Ribeiro (2023), de forma espectral:
Dessa forma, a intuição teria tanto um polo na capacidade de observação psicanalítica, como um polo inconsciente, no qual a função alfa trabalha: a transformação da experiência emocional em estado bruto, o enigmático da experiência, em um elemento onírico, a imagem produzida pela reverie, um pensamento imaginativo (RIBEIRO, 2023, p. 141).
Para que esse movimento favorecedor do pensamento imaginativo – atrelado à noção espectral da intuição – seja mais bem compreendido, é necessário vinculá-lo à noção de cesura. O que muito nos interessa é a cesura entre estados mentais, que pode ser representada por um estado de indiferenciação momentânea e fugaz, assim como quando, por um instante, não sabemos se estamos dormindo ou acordados, isto é, uma cesura entre o sonho noturno e a vigília em que ocorre ao mesmo tempo uma continuidade e uma ruptura.
A cesura é um evento que tanto conecta quanto separa outros eventos (SANDLER, 2021). De modo simultâneo e paradoxal, ela promove um espaço que ao mesmo tempo cria conexão, ruptura e movimento entre duas dimensões diferentes que se caracterizam por movimentos oscilatórios, como, por exemplo, uma cesura entre funcionamento psicótico e não psicótico da personalidade.
Seguindo o pensamento de Ribeiro (2023, p. 139), a autora propõe a cesura intuição/alucinação no sentido de que a intuição promove uma afetação enigmática [8] que pensamos evocar no analista uma estranheza sinistra. A intuição acontece na oscilação entre a área indiferenciada da mente, ainda sem forma, e a área diferenciada, evoluindo para uma reverie. Especificamente sobre essas oscilações, a autora levanta a hipótese de que a intuição acontece entre cesuras em constante oscilação: finito/infinito [9] ; eu/outro; o formar/deformar; as transformações em K/ as transformações em O [10]. (p. 138)
Podemos nos utilizar do exemplo de pessoas que têm “ouvido musical” e escutam notas musicais que poucos escutam para exemplificarmos a capacidade intuitiva (RIBEIRO, 2023 p. 144):
Essa é uma boa metáfora para o analista: aquele que capta, por meio da intuição, elementos psíquicos inaudíveis e imperceptíveis para alguns. Para os que têm ouvido analítico intuitivo e capacidade de observação treinada, é possível captar notas inaudíveis ou o silêncio imperceptível entre as notas. E, se não estamos alucinando, estamos intuindo elementos psíquicos em estado bruto.
Constata-se, então, que uma mente em constante movimento – que pode vivenciar e transitar desde os mais terroríficos e assustadores até os mais suaves, belos e harmoniosos estados psíquicos – é condição para o método de observação psicanalítico, no qual o analista abdica de sua condição de saber objetificante a respeito do analisando. Ao contrário, o analista está submetido, conscientemente ou não, à experiência emocional do encontro com o outro, cabendo a ele escolher entre enfrentar e aproveitar a navegação em águas turbulentas para criar e oferecer construções, ou escolher ficar imune às turbulências emocionais, como se isso fosse possível, com o propósito de encontrar uma causalidade objetificante, para explicar hipoteticamente a origem do sofrimento do sujeito. Esta última postura mantém o analisando em profunda solidão estéril que pode reforçar sua persecutoriedade e contribuir para uma relação fria e explicativa.
Como não estamos de acordo com essa postura, fiquemos com as palavras de Meltzer (1988/1995, p. 13) a respeito da beleza do método psicanalítico:
Ao celebrar a beleza do método, estamos na realidade celebrando a beleza no método pelo qual a mente [...] opera sobre as experiências emocionais de nossas vidas para lhes fornecer uma representação através da formação simbólica, que torna possível o pensar a respeito destas experiências. Fica claro que este “pensar sobre” gera o “aprender através da experiência” cuja consequência são as alterações e reorganizações estruturais através das quais a mente cresce. [...] Afinal de contas, não são apenas os poetas, mas também o punhado de pessoas criativas de cada época que compõem os “legisladores não-reconhecidos do mundo” dos quais falava Shelley. (MELTZER, 1988/1995, p. 13).
Com a finalidade de avançarmos em nossa temática, após o recorte expositivo do trabalho de Ribeiro (2023) para a pavimentação de nossa proposta, não podemos deixar de nos remeter novamente às seguintes indagações: Quais são as viabilizações e inviabilizações que a mente do analista é capaz de propiciar para que se possa atingir tal estado psíquico receptor, metabolizante, metaforizante, criativo e sonhante?
Muito se tem falado sobre a importância da intersubjetividade para a psicanálise, da postura de um analista implicado, menos rígido, menos explicativo, e muito mais aberto aos estados emocionais operantes no encontro psicanalítico. Somos defensores dessas transformações que vêm ocorrendo na psicanálise desde Ferenczi (1928/2021), porém, é de alguma maneira raro os analistas relatarem os empecilhos para que essa postura sonhante, imaginativa e afetiva se efetive. Dito de outra forma, pensamos que antes de propormos o estado de abertura hospitaleira ao analista, devemos nos ater aos vários obstáculos a essa postura que operam intrapsíquica e intersubjetivamente. Não se pode propor um estado de reverie ao analista sem que ele conheça razoavelmente os perenes estados antivínculo operantes em sua relação consigo mesmo e também em seu contato para com o outro.
Superego insone ↔ Superego sonhante
Cassorla (2015) nos traz uma contribuição valiosa a respeito de uma visão espectral: sonho ↔ não-sonho. Trata-se de dois extremos de um espectro no qual se tem num extremo áreas de simbolização mais íntegras, e, noutro, áreas que aparentam não ter qualquer tipo de representação, fato discutível. Vejamos de maneira detalhada a proposta do autor:
Se utilizarmos um vértice clínico podemos imaginar, num extremo, pacientes autistas ou catatônicos, que não são capazes de se expressar. Caminhando no espectro, próximo a esse extremo, poderemos encontrar um paciente somatizador, cujo não-sonho se manifesta por queixas físicas repetitivas. [...] Seguem-se, nesse espectro, pacientes capazes de estimularem imagens ou cenas, mas estas são estáticas e sem ressonância emocional. O analista poderá utilizá-las como matéria para seu sonho próprio. Flashes oníricos da vigília (FERRO, 1998), sonhos noturnos, enredos e narrativas simbólicas indicam o outro extremo, onde elementos alfa se manifestam em sua evolução para pensamentos mais complexos, melhor ou pior trabalhados pelos aparelhos de sonhar sonhos e pensar pensamentos (CASSORLA, 2015, p. 150).
Gostaríamos de chamar atenção para esse espectro proposto por Cassorla, porém relacionando-o à mente do analista. Exemplo disso são os momentos em que o analista fica “catatônico”, isto é, paralisado em sua capacidade de sonhar/pensar; momentos em que o analista é tomado por manifestações psicossomáticas, como arrepios, vertigens e enjoos; aqueles em que se sente perseguido por objetos assassinos, com medo de ser atacado ou assassinado pelo analisando; quando está preso numa postura controladora anal-obsessiva em que operam julgamentos morais higienizantes no sentido de tratar o analisando como se fosse um animal que precisa ter o seu comportamento formatado, desconsiderando sua subjetividade; quando assume uma postura expulsiva e excretória em que atribui toda sua aflição ao analisando; momentos em que sente-se um analista sem valor, desvitalizado e inferiorizado; em que sente uma necessidade arrogante de oferecer um caminho ao analisando ou ainda quando, automaticamente, triunfa narcisicamente sobre o analisando a partir de racionalizações intelectualoides. Em todos esses estados, cada qual com sua peculiaridade, em diferentes graus, há uma ineficácia maior ou menor da capacidade de sonhar do analista.
Partindo da concepção de Bion sobre a função do sonhar, podemos conjecturar uma impossibilidade do sonhar devido à operação de objetos superegoicos que denominamos de insones/insanos por exercerem ataques à mente do analista, e que promovem, com isso, uma destruição psicótica dos meios de compreensão e do sentido da experiência vivida. Como consequência, impossibilitam a construção da barreira de contato que permite, ao mesmo tempo, a ligação e a separação entre consciente/inconsciente, realidade interna/externa e sonho/não-sonho. Algumas das características desses objetos superegoicos são, por exemplo: onipotência, arrogância, superioridade, moralidade, controle, ódio ao casal parental criativo e autossuficiência.
Em Cogitações (1992), Bion nos esclarece:
Assinalei que a capacidade de “sonhar” uma experiência mental corrente, independentemente dela ocorrer na vigília ou no sono, é essencial para a eficiência mental. Com isso quero dizer que fatos, à medida que forem representados pelas impressões sensoriais da pessoa têm que ser convertidos em elementos equivalentes às imagens visuais encontradas usualmente nos sonhos, como os sonhos em geral nos são relatados.[...] Para que se leve a cabo esse trabalho de conversão, são necessárias certas condições: [...] o analista precisa ter condições para o seu trabalho, pois é essencial que a função-alfa (α) opere sem impedimentos. Ele precisa ser capaz de sonhar a análise conforme ela vai ocorrendo, mas, é claro, ele não deve dormir. (BION, 1992/2000, p. 216).
Com o intuito de esclarecer as condições e os empecilhos para que o analista seja capaz de sonhar a sessão, propomos uma noção espectral do superego no que diz respeito às interconexões, oscilações contínuas e cesuras operantes entre parte psicótica ↔ não psicótica da personalidade; posição esquizoparanoide ↔ posição depressiva; processo primário ↔ processo secundário; eu ↔ outro; princípio de prazer ↔ princípio de realidade. Como uma tentativa de ilustrar as qualidades e funções superegoicas, propomos: consciência moral primitiva [11] ↔ objetos bizarros ↔ objetos assassinos ↔ canibais ↔ insones/ insanos ↔ invejosos ↔ hostis ↔ esfincterianos ↔ persecutórios ↔ perfeitos ↔ arrogantes ↔ estupidificantes ↔ sedutores ↔ sádicos ↔ mafiosos ↔ sabotadores ↔ inibidores ↔ possessivos ↔ controladores ↔ punitivos ↔ culpabilizantes ↔ melancólicos ↔ excitantes ↔ maníacos ↔ restritivos ↔ delimitadores ↔ reparadores ↔ gratos ↔ autocríticos ↔ pensantes ↔ criativos ↔ sonhantes ↔ acalantadores ↔ encorajadores ↔ esperançosos ↔ amigos ↔ protetores.
Importante ressaltar que essas qualidades superegoicas [12] não são constituídas necessariamente de maneira cronológica. Nesses termos, estamos de acordo com a ampliação de Bion quando coloca a simultaneidade entre processos inconscientes e conscientes, no sentido de que não são temporalmente consecutivos, mas sim coexistem desde o início, assim como consideramos a coexistência entre parte psicótica e não psicótica da personalidade.
Também é importante esclarecer que consideramos, a partir de Malcolm (1984), que todos os objetos internos funcionam como superego, e que, ao propormos o esquema acima não acreditamos na possibilidade de uma delimitação clara entre os diferentes funcionamentos superegoicos, uma vez que o superego exerce várias dessas funções concomitantemente. O que está sendo colocado é a noção espectral do superego tendo em vista a diferenciação e oscilação constante entre a parte psicótica e não psicótica da personalidade. Isso nos indica que tanto as qualidades superegoicas pré-simbólicas quanto simbólicas/representacionais coexistem e determinam relações mais ou menos amistosas com o ego e com o outro. Podemos tentar esclarecer essa diferença espectral da seguinte forma: a) partículas superegoicas b) aglomerações superegoicas antipensamento c) organizações patológicas, d) superego mantenedor da civilização – enquanto herdeiro do complexo de Édipo e refreador do ódio – viabilizador da auto-observação crítica e) superego genital [13] criativo. Importante esclarecer que o funcionamento insone pode operar a qualquer momento, em diferentes intensidades, dependendo das condições específicas da realidade vivida por cada sujeito.
Esse esquema pode ser um instrumento útil para o analista captar e observar as péssimas companhias internas que o acompanham na sessão para que não as atribua automaticamente apenas à identificação projetiva advinda do analisando. Com isso, podemos nos perguntar se é possível diferenciar os conluios superegoicos, entre analista e analisando, do funcionamento superegoico antivínculo e insone do analista.
Já que o encontro com o analisando muitas vezes desperta no analista operações superegoicas primitivas e põe em atividade seu funcionamento insone/insano, antes de propor o estado intuitivo propiciador da rêverie, devemos ter em mente que, tanto o funcionamento superegoico do analista quanto as identificações projetivas advindas do analisando geram forças antivínculo, antissonho/pensamento, antiuníssono, cuja fonte e origem provavelmente não se pode discriminar. Talvez não seja possível discriminar claramente o que advém do analista e o que advém do analisando; por isso, reiteramos a proposta de que o analista seja capaz de se ater às inúmeras manifestações de forças – hostis, estéreis, vampirescas, assassinas – geradas em si mesmo quando se encontra na presença do outro, para que possa sonhá-las e fazer um bom uso disso. Daí a importância de se observar a cesura. Como dissemos, o analista pode apresentar seu pensamento criativo ao analisando ou então mantê-lo para si como uma diretriz ao seu trabalho analítico.
A respeito dos empecilhos para a criatividade do analista, Bion (1992/2000, p. 53) nos diz que aquilo que ele denominou de “superego assassino”, evita a posição depressiva não sonhando ou sonhando com precauções.
É a esse funcionamento superegoico que referimos o termo superego insone. Sua função é proferir ataques destrutivos ao trabalho de pensamento onírico, bem como impedir o trabalho de sonho enquanto guardião do sono. Dito de outro modo, entendemos que a operação da face insone/insana do superego impede o pensar, a criatividade e o adormecer, tratando-se, portanto, de um ataque à função alfa. Entretanto, gostaríamos de propor uma ampliação da proposta de Bion – citada acima, sobre o superego assassino – pois acreditamos que a função insone do superego pode irromper a qualquer momento, inclusive, em funcionamentos não psicóticos. Se o sonho tem uma função digestiva para a mente, sua efetividade vai depender também da intensidade de estímulos que alguém esteja vivenciando. Com isso, nossa hipótese é que podemos ser visitados a qualquer momento por operações ligadas ao superego insone/insano.
Podemos exemplificar isso servindo-nos dos ataques advindos do superego invejoso como uma maneira de atacar o que é bom, belo, e, principalmente, criativo. A inveja tem como meta destruir, desvincular e depositar maldade no que é considerado bom, inclusive na boa relação do par analítico. Para que haja criatividade, é necessário que dois objetos, duas dimensões, ou melhor, que um casal fértil – interno ou externo – seja capaz de gestar um novo objeto: uma dádiva.
Sobre a relação entre inveja e criatividade, Klein (1957/2006) nos diz:
A capacidade de dar e preservar a vida é sentida como o dom máximo e, portanto, a criatividade torna-se a causa mais profunda de inveja. [...] Minha experiência psicanalítica tem me mostrado que a inveja da criatividade é um elemento fundamental na perturbação do processo criativo. O estragar e destruir a fonte inicial do “bom” logo conduz à destruição e ataque aos bebês que a mãe contém, e tem como resultado a modificação do objeto bom, que passa a ser hostil, crítico e invejoso. A figura superegoica na qual muita inveja tenha sido projetada torna-se particularmente persecutória e interfere nos processos de pensamento e em toda atitude produtiva, em última instância na criatividade (KLEIN, 1957/2006, p. 234).
Percebe-se que nos referimos, a partir de Klein e de Bion, à relação direta entre pensamento e criatividade, ou senão, ao pensamento onírico de vigília e suas (im)possibilidades. O que (in)viabiliza o sonhar, o pensar e a criatividade é o predomínio da operação das várias faces superegoicas num dado momento, principalmente aquelas ligadas à parte psicótica da personalidade. Com isso, propomos que o estado insone/insano não é apenas um atributo ligado ao superego assassino. Qualquer manifestação de ansiedade, sejam elas caracte-rísticas da posição esquizoparanoide ou depressiva, pode possibilitar o não sonho do analista.
Bion (1992/2000, p. 56) nos diz que “a ansiedade do analista é um sinal de que ele está se recusando a “sonhar” o material do paciente: não (sonhar) = resistir = não (introjetar)”.
Depreendemos disso que a ansiedade suscitada pode prejudicar a capacidade do analista de sonhar a experiência emocional da sessão e, então, estragar o contato criativo consigo mesmo e com o outro. Consequentemente, essa ansiedade impossibilita a função psicanalítica da personalidade do analista à medida que impede a capacidade de sonhar a experiência com o analisando. É nesse sentido que o superego relacionado à parte psicótica da personalidade não permite a abertura hospitaleira ao outro, a auto-observação construtiva e muito menos o sonhar enquanto pensamento imaginativo do analista. Dito de maneira direta: é essencial ao analista ter consigo a compreensão de que todo encontro com a alteridade desperta intensa turbulência emocional pela operação de um terror sem nome, provavelmente de origem filogenética, que precisa ser metabolizada a partir do sonhar.
Com isso reiteramos as condições específicas para a capacidade de pensar, de sonhar e de auto-observar-se. Atribuímos à evitação da posição depressiva um grande empecilho para que a vivência da triangularidade – constitutiva do funcionamento tridimensional da mente – se estabeleça. Para que a capacidade de simbolização se realize, é necessário o encontro e a elaboração das angústias inerentes à vivência da triangulação edípica, pois é dessa forma que se pode constituir a barreira de contato que promove a discriminação entre eu/ outro, eu/mundo, consciente/inconsciente, dormir/acordar, psicose/não psicose e, consequentemente a capacidade de observação e transformação da experiência em pensamento.
Acreditamos que o que mantém o analista ativo em seu trabalho é sua capacidade de sonhar e acordar numa oscilação constante, movimento que requer uma auto-observação continente. Sem isso, ele fica refém de estados não propícios à análise como, por exemplo, alucinose compartilhada, saber arrogante, paralisia, excitação, uso de interpretação evacuatória.
O trânsito psíquico entre sonho/não sonho, mundo interno/externo, consciente/inconsciente, psicose/não psicose pode ser comparado às mesmas condições para o trabalho artístico. Impossível não lembrarmos do que Freud (1908/2006) colocou sobre o escritor criativo. Ele nos diz que o escritor criativo faz a mesma coisa que a criança que brinca: cria um mundo de fantasia que leva muito a sério, isto é, no qual investe uma grande quantidade de emoção, enquanto mantém uma separação nítida entre esse mundo e a realidade. E ainda nos questiona: acaso é realmente válido comparar o escritor imaginativo ao “sonhador em plena luz do dia” [14], e suas criações com os devaneios?
Segal (1991) nos ajuda a esclarecer:
Freud comparou o artista com um devaneador. E é verdade que o poeta é um devaneador – mas ele não é só um devaneador. Freud enfatiza que o artista volta à realidade. A meu ver, o artista nunca deixa inteiramente a realidade. Em primeiro lugar, ele tem consciência aguda de suas realidades internas, da realidade interna que busca expressar. Mas uma apreensão da realidade interna caminha sempre com a habilidade de diferenciar o que é interno do que é externo e, portanto, também um senso de realidade externa – uma diferença básica entre criatividade e delírio. [...] Alcançar algo no mundo externo é essencial para seu sentimento de ter uma reparação concluída [...] Um aspecto crucial da reparação, bem como do progressivo senso de realidade, é o de que a criança pouco a pouco renuncie às suas fantasias de controle onipotente e, em sua mente, aceite a existência independente da mãe, incluindo a relação dela com o pai [...] Assim, se minha suposição é correta – que o artista em seu trabalho está novamente elaborando sua posição depressiva infantil –, então ele tem não apenas de recriar algo em seu mundo interno que corresponda à recriação de seu mundo e de seus objetos internos, mas também de externalizá-lo, para dar-lhe vida no mundo externo (p. 105-106).
Por isso associamos o trabalho do analista como uma reparação constante, interna e externa, em que os objetos internos reparadores do analista – a partir da função alfa – semeiam e fazem brotar, criativamente, as interpretações, construções e reveries que serão oferecidas ao analisando numa tentativa de contribuir com o fortalecimento do vínculo emocional entre os dois. É dessa maneira que pode haver a introjeção, na mente do analisando, da qualidade dessa relação, bem como a introjeção da função sonhante, pensante, e criativa que, provavelmente, ficou deficiente na relação com seu objeto primário. O analisando pode ter tido, por exemplo, uma mãe insone, intensificadora do terror sem nome, fato que o fez permanecer um bebê insone para poder cuidar de si e de sua mãe. Por isso propomos que, se há sonho, há acalanto e criatividade, se não há sonho, há terror.
Nesse aspecto, o papel continente por parte do analista é o que pode contribuir para a transformação do superego do analisando, abrandando o terror e a ameaça, a partir de uma relação que Bion (1962) denominou de comensal. Trata-se de uma relação que envolve um benefício mútuo tanto para o continente (mãe/analista) quanto para o contido (bebê/analisando): um acoplamento hospitaleiro, cuidadoso e transformador.
A esta altura, cabe-nos perguntar, porém, em que medida a operação insone/insana do superego pode ser transformada em acalanto criativo?
Acreditamos tanto na possibilidade de transformação da natureza e da função dos objetos internos como também na impossibilidade de modificação com relação a alguns objetos em específico.
As transformações podem ocorrer com a repetição de boas experiências durante o início da vida do bebê, quando ele passa a introjetar o bom objeto no núcleo de seu ego. Assim, as identificações projetivas tendem a perder intensidade e os objetos internos passam a ligar-se uns com os outros, ocorrendo a transformação de objetos internos parciais em objetos totais. Essa integração marca as características da posição depressiva. Sobre esse movimento de desenvolvimento do superego Malcolm (1994, p. 90) nos diz:
Na medida em que o bebê fica mais integrado, essa integração o introduz na posição depressiva. Esses objetos, ao ficarem mais integrados, fortalecem o ego. Ele começa a tomar consciência maior de si e, portanto, de suas ações como dele próprio. Também toma maior consciência da mãe. Esse aumento de percepção da condição de ser separado permite o início de uma noção rudimentar de espaço, que traz a noção de tempo e, portanto, de memória. [...] O bebê evolui da polaridade absoluta entre relações ideais e persecutórias para o sentimento de amar a mãe e se sentir amado por ela. Pode agora começar a perceber seu próprio ódio, ou seja, não se sente automaticamente perseguido, mas, de maneira rudimentar, começa a tomar consciência do que faz para a mãe. A percepção de que ama e odeia a mesma pessoa traz uma nova série de emoções. Ele sente ambivalência. O fato de odiar a mãe significa que seu ódio se dirige à mesma pessoa que ama, o que o faz ficar preocupado com ela, de forma a se sentir culpado e com medo de perdê-la.
É neste ponto do desenvolvimento que surge a tendência à reparação em que o bebê pode reparar a mãe e seus objetos internos, aliviando seu sentimento de culpa e responsabilizando-se por isso. Passa a desenvolver relações mais amistosas consigo e com os outros, uma vez que pode enxergar o mundo e os objetos de maneira mais realista e menos radical. É assim que a gratidão brota e pode ser vivenciada. O reconhecimento por ter recebido carinho, amor, alimento e cuidado é, então, sentido como o recebimento de uma dádiva. A criatividade pode ser o meio pelo qual ele retribui e devolve a dádiva à mãe e ao mundo.
Por outro lado, seguindo Melanie Klein (1958/2006), acreditamos que alguns tipos de objetos não podem ser transformados. No texto já citado Sobre o desenvolvimento do funcionamento mental, ela nos diz que esses objetos são excindidos de maneira diferente daquela pela qual o superego se forma e são relegadas a camadas mais profundas do inconsciente. Portanto, haveria um limite entre o que pode ser transformado intrapsiquicamente pela influência do meio, das relações e da educação.
Meltzer (1988/1995) nos traz uma provocação a respeito da forma como os adultos tendem a educar as crianças e esclarece a contradição existente entre os desejos e os atos dos adultos envolvidos neste processo:
Desejamos preparar nossas crianças para as belezas da intimidade mas nossas ansiedades pela sua sobrevivência ultrapassam nosso julgamento de tal modo que acabamos nos juntando ao processo de treinamento, sabendo muito bem que este irá secar sua sede por conhecimento e causar constrições à sua abertura frente às belezas das quais são herdeiros. (MELTZER, 1988/1995, p. 37).
Depreendemos a partir disso que há no mínimo dois empecilhos para as transformações do superego: o primeiro estaria vinculado à proposta de Melanie Klein sobre os objetos que atuam em camadas profundas do inconsciente e que não estão ao alcance de serem transformados. O segundo estaria relacionado ao que Meltzer (1988/1995) e Bion (1992/2000), cada qual à sua maneira, nos propõem a respeito da influência das ansiedades, incontinências e indisponibilidades dos adultos que acabam por impedir ou dificultar o encontro das crianças com as belezas da intimidade, aniquilando a possibilidade de uma educação voltada ao aprender da experiência. Daí a importância de o psicanalista se permitir entrar em contato com as belezas turbulentas do encontro com o outro, pois é só assim que poderá propiciar o aprendizado a partir da experiência.
Como muitas mães [15] não estão aptas ao contato íntimo para oferecer alimento, afago e acalanto para seus bebês, acreditamos que a postura do psicanalista envolve manter-se acordado para sonhar criativamente os estados emocionais terroríficos, inférteis e hostis presentes no encontro com esses bebês/analisandos. Ao funcionar assim, o analista tem a esperança de que o bebê/analisando sinta que não destrói a criatividade e a integridade do analista/mãe. Consequentemente, sua persecutoriedade pode diminuir e, então, quem sabe, ele possa se permitir aos poucos se entregar a uma boa soneca restauradora e vitalizante.
Obviamente, não se trata apenas de esperança por parte do analista, mas sim de um esforço constante para atingir, na medida do possível, um estado sonhante que contribua para que o analisando possa brincar, criar e dormir. Lutamos para que o analisando desenvolva a capacidade de ouvir, receber e de introjetar as verdades e as cantigas de ninar que lhe são oferecidas. Tais cantigas podem ser as sementes introjetadas que, ao fecundar, proporcionarão a expansão e o crescimento da árvore da vida em si mesmo e, como retribuição, poderá gerar frutos criativos a si mesmo, aos outros e ao mundo. Acreditamos que é assim que o superego pode referir palavras bondosas de conforto ao ego, como nos indicou Freud (1927/2006), e como consequência, possibilitar ao bebê/analisando oferecer cantigas de ninar acalentadoras à sua mamãe, a si próprio e ao mundo.
Referências
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NOTAS
1 William Wordsworth.
2 Em Análise terminável e interminável, Freud (1937/2006, p. 265) afirma: “Quase parece como se a análise fosse a terceira daquelas profissões ‘impossíveis’ quanto às quais de antemão se pode estar seguro de chegar a resultados insatisfatórios. As outras duas [...] são a educação e o governo”.
3 “Os diferentes lados de um mesmo fenômeno são como dois polos em que cada par implica uma cesura e cada cesura implica a possibilidade de uma perspectiva espectral” (BION, 1948). O primeiro modelo espectral, sinalizado por Bion pela dupla flecha, é o espectro narcisismo ↔ social-ismo. (TRACHTENBERG, 2023, p. 182).
4 “A função psicanalítica da personalidade tem no método analítico um lugar privilegiado de realização e expansão; uma função que é humana e que nos torna humanos; um ser com uma mente em constante criação e expansão. Em outras palavras, considero que a função psicanalítica da personalidade realiza o humano em nós”. (RIBEIRO, 2025).
5 Utilizamos o termo função superegoica neste trabalho para nos referir às diferentes operações superegoicas que podem proporcionar tanto a união dos objetos (superego protetor, acalantador) quanto a desunião ou destruição de vínculos (superego insone/insano). Função aqui, portanto, refere-se a funcionamento, por exemplo, o funcionamento superegoico insone perturba ou impede o aprender com a experiência e a criatividade. Em seu artigo intitulado Desenvolvimentos sobre o conceito de superego na obra de Bion (2020), João Carlos Braga nos esclarece que “As contribuições de Bion podem ser vistas como dando sequência a esta linha de desenvolvimento do pensamento psicanalítico, levando a uma desconstrução da compreensão do superego de uma estrutura mental para um grupo de funções mentais”. Tradução livre.
6 Continente metaforizante é um termo criado por Ribeiro (2023) a partir da leitura de Ogden (2023, p. 216): “Acho que a teoria psicanalítica não é algo separado da minha experiência com pacientes no consultório. Ao trabalhar com pacientes, as ideias analíticas estão sempre à mão. Mesmo quando a teoria psicanalítica está fora de meus pensamentos conscientes, ela constitui uma ‘matriz’ (um contexto psíquico, um útero metafórico) que dá forma à maneira como mantenho uma experiência enquanto trabalho com um paciente”.
7 Imaginação criadora (CHUSTER, 2019, 2020) e pensamento imaginativo (RIBEIRO, 2023).
8 Expressão que corresponde a Luís Claudio Figueiredo em comunicação pessoal (2021).
9 Ribeiro (2023) esclarece sucintamente que Bion sugere os termos finito para consciente e infinito para inconsciente.
10 Não adentraremos na complexa construção de Bion a respeito dessas transformações. Podemos indicar, muito brevemente, que transformações em K estão ligadas às transformações em conhecimento, do mundo e de si-mesmo, e, transformações em O, trata-se de tornar-se si mesmo.
11 “[...] parece existir uma forma de moral inata. A esse respeito, eu penso, por exemplo: a Igreja Católica Romana fala sobre o pecado original. Eu penso que é isto o que ela quer dizer. Nascemos com um sentimento de culpa, nascemos com isto que um dia se tornará em uma forma de consciência.” (BION, Supervisão S12, 1978/2018).
12 Chuster (2021) também propõe uma visão espectral do superego, porém enfocando o espectro Narcisismo ↔ Social-ismo, nas palavras do autor: como herdeiro do complexo de Édipo, o superego forma um espectro com as diversas concepções e conceitos produzidos pelas experiências, e com isso podemos descrever distintos superegos com as possibilidades de superego assassino, ladrão, traficante de drogas, corruptor da ética, contrabandista moral, até o ponto em que atravessamos para o espectro do social-ismo e passamos pela educação platônica, socrática, arte e ciência, e finalmente a consciência social complexa, que seria um outro extremo do superego assassino, o extremo do narcisismo.
13 Quanto mais o desenvolvimento do superego e o desenvolvimento libidinal avançam em direção ao nível genital [...] mais as identificações fantásticas e realizadoras de desejos (cuja fonte é a imagem de uma mãe que oferece gratificação oral) se aproximam dos pais reais. (KLEIN, 1958/2006, p. 233).
14 “Der Träumer am hellichten Tag”.
15 Com o termo mãe nos referimos à função materna executada por qualquer pessoa que assuma o papel de objeto primário.





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